ARTIGOS

 

“300” e a estética Playstation no Cinema contemporâneo

 

Rodrigo Carreiro
Mestre em Comunicação pela UFPE e professor do curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo – Aeso


Resumo: Tomando como exemplo o filme “300”, de Zack Snyder, este artigo analisa a crescente influência da estética e da linguagem narrativa dos videogames nos filmes contemporâneos produzidos nos estúdios de Hollywood. A gradual substituição do modelo narrativo clássico do Cinema – a divisão em três atos – por uma nova fórmula de narração vem gerando uma nova estética, que chamamos de Estética Playstation, em substituição à chamada Estética MTV, baseada em cortes rápidos, que vigorava em filmes de ação desde a década de 1980.

Palavras-chave: Cinema; Videogame; Cultura Pós-moderna; MTV.

Abstract: Taking the movie “300”, by Zack Snyder, as an example, this issue tries to analyze the growing influence of the aesthetics and narrative components of videogames, in contemporary movies produced by Hollywood Studios. The gradual substitution of the classical narrative model from Cinema – the three-act division – by a new narrative formula has conceiving a new aesthetics, which we call Playstation Aesthetics. It substitutes the so called MTV Aesthetics, based in accelerated editing, which was predominant in action movies since the 1980’s. 

Keywords: Movies; Videogame; Post-modern Culture; MTV.

            A cena descrita a seguir é uma das mais emblemáticas do épico sanguinolento “300” (Estados Unidos, 2007). Leônidas, enquadrado do lado esquerdo da tela, empunha uma lança, uma espada e um escudo. Os inimigos, guerreiros do exército da Pérsia, se aproximam pelo lado oposto, entrando no campo de visão do espectador pela direita. Um a um, eles começam a ser abatidos pelo rei de Esparta. Primeiro com a lança, depois com a espada. Leônidas avança a passos largos, e com movimentos ágeis e agressivos segue mutilando os inimigos. Braços e pernas são arrancados em câmera lenta. O sangue espirra para todos os lados.
Não há cortes, pelo menos no sentido clássico do termo. O plano é um só; a ação jamais é interrompida. A câmera, que enquadra os personagens de corpo inteiro, se movimenta lateralmente, da esquerda para a direita, acompanhando os movimentos de Leônidas. Às vezes se aproxima da ação, enquadra um detalhe. Depois retorna à posição inicial, à média distância. Trata-se de uma tomada longa para os padrões contemporâneos em Hollywood. A partir da década de 1980, um plano de um longa-metragem produzido em Hollywood dura, em média, entre 3 e 5 segundos (Mattos, 2006: 154). Esta tomada, em particular, ocupa 71 segundos.
Para acentuar ainda mais a atenção sobre ela, o diretor do filme, Zack Snyder, manipula a velocidade de projeção. Começa mostrando os movimentos em câmera lenta, depois os acelera. Usa o efeito “bullet time” (em que o tempo da ação é quase congelado, enquanto a câmera se movimenta de maneira circular, para oferecer ao espectador uma perspectiva mais completa), depois acelera brutalmente, freia de novo, e assim sucessivamente. Em toda a duração do movimento, Leônidas mata 17 adversários, sem ser atingido por nenhum deles. É um bale geométrico de violência.
Esta cena de “300” foi selecionada, para iniciar este artigo, porque representa perfeitamente a característica principal do filme, uma característica que quero analisar e aprofundar no decorrer deste texto: a influência crescente dos videogames sobre o Cinema, tanto em termos estéticos quanto narrativos. Tomando o plano-seqüência descrito acima como um microcosmo do filme inteiro, é possível vislumbrar várias características que permitem avalizar esta posição. Entre elas, estão a posição da câmera, a movimentação dos personagens, a variação de velocidade da projeção, estilização e criação de imagens no computador, o uso de cores, a música, a violência gráfica. Juntas, elas formam o que chamo de Estética Playstation. Além delas, a própria fórmula narrativa usada no filme também é inspirada em games, como veremos a seguir.
“300” talvez seja, dentre as mais de duas centenas de produções lançadas anualmente pelos grandes estúdios de Hollywood, a mais emblemática, a que melhor sintetiza a mudança de paradigmas que a linguagem cinematográfica vem sofrendo. De fato, é consenso entre críticos e estudiosos da sétima arte que, já a partir da década de 1960, os filmes passaram a sofrer influência da televisão. A famosa cena do assassinato no chuveiro, em “Psicose” (1960), de Alfred Hitchcock, é sempre citada como um dos primeiros momentos em que a montagem de um longa-metragem recebe influência clara da TV, como esclarece o crítico Luiz Carlos Merten (2003):

Na época de “Psicose”, os filmes já estavam sendo exibidos para espectadores acostumados a ver as imagens em movimento na TV. Durante os anos 1960, o teórico da Comunicação Marshall McLuhan se referiu a esses espectadores como pertencentes a uma geração de mentalidade visual. E observou que suas percepções não eram mais lineares, como as que se originam da leitura de um livro. Tornaram-se assimilações instantâneas da cena como um todo. Como conseqüência, o ritmo da montagem teve de ser acelerado. Por influência da geração de mentalidade visual, toda a sintaxe da tela passou e ainda está passando por uma mudança. (Merten, 2003, p. 122).

O grifo é meu. No texto original, Merten não faz nenhuma menção a quais seriam as mudanças pelas quais a linguagem do Cinema ainda está passando. Nos anos 1980, a aceleração da montagem ocorreu de forma ainda mais evidente, a partir do surgimento da MTV, canal extremamente popular entre os jovens (que vêm a ser o público-alvo mais mirado pelos filmes de Hollywood). A estética dos videoclipes, que alguns pesquisadores chamam de Estética MTV, passou a exercer profunda influência nos filmes.
Em termos gerais, as principais mudanças puderam ser observadas principalmente na área da montagem. O ritmo foi acelerado, e a duração média de cada tomada vista na tela passou a sofrer reduções dramáticas, especialmente nos filmes direcionados às platéias mais jovens, de gêneros como aventura e horror, como aponta A. C. Gomes de Mattos (2006):

Antes  de 1960, a maioria dos filmes tinha em média 11 segundos por plano. Uma tendência para uma montagem mais rápida começou nos anos 60, mas atingiu novos limites perto do final do século. Em 1985, os filmes tinham em média 4 a 6 segundos por plano e nos anos seguintes muitos eram montados ainda mais rapidamente. Filmes como “X-Men” (2000) tinham em média 2 a 3 segundos por plano. (Mattos, 2006: 154).

A observação sobre a influência da TV na montagem parece paradoxal, em contraste com o exemplo escolhido para versar sobre a relação entre os videogames e “300”. A tomada escolhida para uma análise mais minuciosa é justamente a mais longa de todo o filme, cujas seqüências de ação mais frenéticas freqüentemente realizam cortes com menos de um segundo de duração.
Porém, olhemos mais de perto. Um plano, segundo a definição clássica, consiste de tudo o que acontece entre dois cortes (ou seja, todas as imagens captadas entre os gritos de “Ação!” e “Corta!” pelo diretor). Esta própria definição talvez já não seja mais suficiente. O plano analisado aqui, por exemplo, contém uma série de alterações abruptas – ângulo de visão, velocidade de projeção, ponto de vista da tomada – que correspondem a cortes.
A responsabilidade por esta mudança de paradigma é o uso das imagens geradas por computador (as chamadas CGI, ou Computer Generated Images). Com elas, torna-se possível cortar sem que seja possível visualizar os cortes. A evolução tecnológica dos processos de captura e revelação de imagens foi tão dramática, nestas quatro décadas, que aboliu o uso de película fotográfica, de forma que os filmes, na verdade, nem deveriam mais ser chamados por este nome. Filmes, na prática, não são mais filmes, pois são produzidos a partir de imagens que não existem fisicamente, a não ser em arquivos de computador, que não passam de um monte de Zeros e Ums.
Associada à mudança de hábitos do público jovem, que lota as salas de cinema, os avanços tecnológicos podem ser apontados como um dos fatores responsáveis pela introdução dos videogames na esfera de influência do Cinema. Por tudo isso, é possível afirmar que a linguagem cinematográfica passa agora por uma revolução estética e narrativa. Parece evidente que ela absorve novas características de jogos eletrônicos, tanto na estética (composição visual, fotografia, música e efeitos sonoros) quanto na narrativa (roteiro), a cada nova safra de filmes gerados por Hollywood.
O principal objetivo deste artigo é examinar algumas maneiras como os filmes estão absorvendo a influência dos videogames. Vale observar que não cabe, aqui, nenhum tipo de juízo de valor acerca de tal procedimento. Não se trata de lamentar a suposta “poluição”, por uma forma de entretenimento menor, de uma atividade artística (é importante lembrar que o próprio Cinema levou muitas décadas para ver reconhecido no meio intelectual seu aspecto artístico, tendo buscado diversos aspectos de sua sintaxe em outras artes, como a Fotografia e o Teatro). É apenas a constatação de que, em plena efervescência do período pós-moderno, as diversas formas de cultura popular se interpenetram livremente nas respectivas esferas de influência.
Do ponto de vista da narrativa, a influência exercida pelos videogames sobre os filmes ainda é relativamente tímida. De fato, a principal alteração está no esqueleto narrativo principal, que no Cinema clássico foi herdado principalmente do Teatro – a divisão em três atos. De fato, se observarmos com atenção alguns dos mais populares filmes adolescentes da década de 1980, já será possível ver o ovo da serpente. Tome como exemplo o segundo exemplar da série Indiana Jones, “Indiana Jones e o Templo da Perdição” (1984). Dirigido por Steven Spielberg, autor que durante muitos anos teve o nome associado, de forma depreciativa, a um tipo de cinema considerado menos importante, o filme tem uma estrutura mais livre e fragmentada do que a clássica divisão em três atos, que o cinema clássico herdou do teatro.
Via de regra, o longa-metragem de 1984 – um dos grandes sucessos daquela década – apresenta o herói (Indiana Jones) enfrentando obstáculos, em seqüência, cujo grau de dificuldade vai se tornando mais e mais alto, exatamente como numa game. Aliás, os primeiros consoles de jogos eletrônicos, como o Atari, surgiram nesta mesma época, o que não é coincidência. No princípio, os games foram buscar um modelo narrativo a seguir justamente no Cinema. A partir daí, contudo, se desenvolveram paralelamente à narrativa cinematográfica, acabando por influenciá-la.
Depois de “Indiana Jones”, nos anos a seguir, as novas gerações de cineastas que foram sendo absorvidas pela indústria cinematográfica nos Estados Unidos trataram de refinar e consolidar este modelo narrativo diferente, mais dinâmico, distanciando-o aos poucos da clássica estrutura em três atos que sempre caracterizou o cinema comercial. É o que observa o crítico Ricardo Calil:

Nesse novo modelo narrativo, saem as pausas e os crescendos dramáticos, entra um clímax a cada 10 ou 15 minutos. Dá a impressão de ser um cinema feito para (e muitas vezes por) pessoas habituadas ao universo dos games, com capacidade para assimilar um enorme número de informações visuais e sonoras por minuto, sem precisar de muito tempo para tomar fôlego. Talvez seja a forma encontrada pela indústria cinematográfica para reconquistar parte do público perdido para os jogos eletrônicos. (Calil, 2007)

            Observando a estrutura de filmes como “300” mais de perto, é possível notar a influência clara dos videogames. O crítico Kleber Mendonça Filho, do Jornal do Commercio e do site Cinemascópio, observou que o filme é estruturado em fases de dificuldade crescente, como se estivéssemos avançando em um jogo eletrônico – “primeira fase fácil, segunda fase mais difícil, terceira parte impossível”, escreve Kleber (2007). Ricardo Calil vai mais longe:

Concordo com Kleber, mas diria que há muitas outras fases: os espartanos enfrentam sucessivamente escravos incompetentes, um monstro e um rinoceronte gigantes, uma chuva de flechas que escurece o sol, os guerreiros Imortais, feiticeiros persas e assim por diante.” (Calil, 2007)

Esta estrutura, é importante ressaltar, não é exclusiva de “300”. Outros filmes de sucesso junto à platéia masculina adolescente, ou pós-adolescente, têm utilizado estrutura semelhante – a série “Jogos Mortais”, composta atualmente por três longas-metragens (há um quarto em produção em Hollywood, e tudo indica que a série não vai parar por aqui) também famosa pela ferocidade com que se dedica às amputações e banhos de sangue, é um bom exemplo. As três produções da trilogia “Matrix”, outra série paradigmática em termos de alterações na linguagem cinematográfica, formam outro.
No caso específico de “300”, esta aproximação entre o estilo narrativo do filme e os videogames é um dado intencional. Zack Snyder, o jovem diretor responsável pelo longa-metragem – nasceu em 1966, tendo portanto desenvolvido sua percepção cinematográfica dentro do período em que a TV e os jogos eletrônicos já começavam a influenciar a mídia cinematográfica –, não faz segredos de que tinha mesmo a intenção de reproduzir, no filme, as técnicas utilizadas pelos criadores de jogos eletrônicos. Fã de jogos eletrônicos e assumidamente viciado em games da plataforma Xbox 360, Snyder desenvolveu cuidadosamente a linguagem de “300”, de forma a proporcionar à platéias as mesmas sensações de alguém de está jogando um game:

Gosto da sensação, proporcionada por muitos games, de que você está dentro de um filme. Acho que ela não foi explorada até seu máximo potencial. Gostaria de criar, no futuro, a experiência de um filme e um game que sejam organicamente interligados. (Snyder, 2006)

O longo take citado no início deste artigo é uma referência direta feita por Snyder a um estilo de game, muito popular entre os jogadores, chamado “side-scroller”. Nestes jogos, o movimento do avatar do jogador (horizontal, da esquerda para a direita) é exatamente igual ao modo como Leônidas, o protagonista do filme, enfrenta os inimigos. Estes entram no campo de visão exatamente da mesma maneira que nos games do estilo, e têm também o mesmo tipo de inteligência e agilidade limitadas. Até mesmo o enquadramento e o movimento de câmera escolhidos pelo diretor buscam referência em games. Não é coincidência; é a Estética Playstation em curso.
No campo estético, a influência dos games eletrônicos sobre “300” é especialmente evidente, a começar pela própria técnica adotada para criar os cenários do longa-metragem. Para começar, o filme abandona toda e qualquer tentativa de criar cinema da maneira clássica, que, como observou Ismail Xavier (1977), sempre tentou reproduzir uma ilusão de realidade. O estilo não é realista, ou naturalista; é camp, extremamente exagerado, kitsch; busca excessos de todas as maneiras possíveis, abraça uma imagem que é assumidamente over, hiper-real – uma imagem pós-moderna, típica dos videogames.
Para começar, “300” foi produzido com uma técnica nova: todas as cenas filmadas dentro de um estúdio, com atores atuando sobre fundo azul. Os cenários digitais, produzidos em três dimensões e em computadores, foram acrescentados depois, durante os doze meses de pós-produção. Ou seja, as imagens que servem de pano de fundo para a aventura não existem fisicamente. É exatamente desta maneira – desenhadas por designers em computadores poderosos – que nascem as imagens hiper-reais dos games.
O nível de detalhes é assombroso e o visual, nunca menos do que espetacular. A impressão é que a película inteira recebeu um banho de ouro em pó, pois predominam as tonalidade douradas e vermelho-sangue. O uso de cores também se afasta inteiramente no naturalista; a textura é granulada, como se as imagens estivessem sendo desenhadas com lápis de cera infantil, e todo o longa-metragem parece estar se passando em um eterno pôr-do-sol, uma das imagens da natureza mais freqüentemente associadas à categoria estética do sublime. Mas é uma natureza falsa, ilusória. “300” não quer parecer real; deseja ultrapassar esta categoria, quer encontrar uma forma de hiperestimular os sentidos, sobretudo o visual e, como veremos adiante, o sonoro.
A estimulação incessante dos sentidos, com ênfase especial da visão, é uma das características mais importantes da cultura pós-moderna. Jameson (1996) é um dos autores que vê uma relação intrínseca entre esta hiperestimulação do olhar e as novas tecnologias, de forma a provocar um fenômeno que ele cunhou, muito apropriadamente, de esmaecimento do afeto. Ou seja, para Jameson, a overdose de estímulos induz a uma perda do sentido do real, criando uma tensão permanente entre o real e o imaginário:

A produção estética hoje está integrada à produção de mercadorias em geral: a urgência desvairada da economia em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam novidades (de roupas a aviões), com um ritmo de turn over cada vez maior, atribui uma posição e uma função estrutural cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo. (Jameson, 1996: 30).

A conseqüência disto tudo é que o estilo hipertrofiado, exagerado, grandiloqüente do filme de Zack Snyder, busca o exagero como forma de superar o que Jameson chama de esmaecimento do afeto – acostumadas ao hiper-real dos videogames, as platéias do cinema reagem com mais entusiasmo e identificação quando são confrontadas, na tela grande, como mesmo tipo de estímulo estético hiper-real e incessante, um bombardeio eterno de sensações que induz à hipertrofia dos sentidos.
Nenhuma imagem de “300”, nem mesmo a tomada usada neste texto para analisar a influência narrativa dos games no filme, funciona melhor como metáfora desta hipertrofia dos sentidos do que a figura do ator brasileiro Rodrigo Santoro. Interpretando o imperador-deus Xerxes, ele está acima da categoria do humano – e lembra bastante o visual de um personagem de game. Na verdade, Santoro eleva os clássicos personagens “maiores-que-a-vida”, que o cinema norte-americano se especializou em celebrar durante décadas, de John Wayne a Sylvester Stallone, a um patamar de hiper-exagero inédito.
Vejamos: através de trucagens eletrônicas e manipulações digitais, Snyder apresenta Xerxes como um ser de três metros de altura, maior do que um jogador da NBA. A voz, também alterada eletronicamente, parece mais cavernosa do que um urro de animal selvagem (o timbre grave é virtualmente impossível de ser alcançado pela voz de um humano, e carrega uma tonalidade metalizada que remete diretamente aos avatares dos jogos de videogame). Ele usa piercings no rosto e correntes de ouro, como boa parte dos jovens que vão ao cinema para vê-lo. Tem cílios e sobrancelhas pintados com delineador negro, e longas unhas tingidas de dourado. O corpo é todo untado de óleo e sem pêlos. Num filme clássico, Xerxes chamaria a atenção como uma maçã no meio de laranjas. Mas “300” não é clássico, e nem quer ser. É hiper-real, e deseja provocar na platéia o mesmo tipo de experiência sensorial que ela tem quando joga no Playstation.
Por fim, a música. Compostas por Tyler Bates, as canções se dividem em duas vertentes que se mesclam e interpenetram. Nos momentos mais calmos e evocativos, são melodias new age, com corais masculinos evocando uma atmosfera quase sacra. Nas cenas de ação frenética, as músicas optam por guitarras heavy metal que ajudam a ambientar a platéia no nível elevado de agressividade sugerida pelas imagens. O casamento das imagens camp, que abusam da tecnologia para sugerir uma paisagem emocional hiper-real, com a música e os efeitos sonoros carregados (a voz gutural de Xerxes, os urros demoníacos dos rinocerontes, lobos e elefantes gigantescos que povoam a narrativa) completam a experiência sensorial pós-moderna.
“300” é um filme que gostaria de ser um videogame, como confessado pelo próprio diretor. Mas ainda não superar a barreira que, em última instância, possibilitaria a simbiose completa entre as duas mídias: a interatividade, a possibilidade de o espectador interagir com as figuras do outro lado da tela. Mesmo assim, se a platéia sentir necessidade de entrar naquele ambiente virtual marrom-dourado, carregado de imagens geradas em computador, pode fazê-lo em sua casa. Basta rodar no Playstation o game “300: March to Glory”, lançado simultaneamente à chegada do filmes aos cinemas mundiais, e encarnar um dos personagens principais do longa-metragem.
A experiência multimídia que une Cinema e Videogame, explorada pela primeira vez na trilogia “Matrix” (cenas inéditas não exibidas nos cinemas chegaram a ser incluídas no jogo “Enter The Matrix”, como forma de estimular o espectador a não se satisfazer apenas com o longa-metragem), é o estágio mais sintomática da interpenetração da Estética Playstation dentro dos filmes. Mesmo assim, como o próprio Zack Snyder observa, ainda não é o final desta estrada. O cineasta, bem como outros artistas que transitam entre as duas mídias, pretendem explorar no futuro maneiras diferentes de transformar a experiência do Cinema e a do Videogame em uma só.


Referências

CALIL, Ricardo. O novo jogo do cinema. Disponível em http://olhaso.nominimo.com.br/
index.php?s=videogame
(consultado em 01/04/2007)

JAMESON, Fredric. 1991. Pós-modernismo, ou a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora Ática, 1991.

MATTOS, A. C. Gomes de.  Do Cinetoscópio ao Cinema Digital: Breve História do Cinema Americano. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2006.

MENDONÇA FILHO, Kleber. 300. Disponível em http://cf.uol.com.br/cinemascopio/
critica.cfm?CodCritica=1377 (consultado em 01/04/2007)

MERTEN, Luiz Carlos. Cinema: Entre a Realidade e o Artifício. Porto Alegre: Editora Artes e Ofícios, 2003.

SNYDER, Zack apud GAUDIOSI, John. “300” hitter is writer, director and developer. Disponível em http://www.hollywoodreporter.com/hr/content_display/home_entertainment/games/
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(consultado em 01/04/2007)

XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: A Opacidade e a Transparência. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977.